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CLUSTER 3 - POBREZA, JUSTIÇA E CIDADANIA ENERGÉTICAS

Apresentação

O cluster tem como objetivo analisar a questão energética sob seus vieses social, político e técnico, em relação com as noções da justiça, pobreza e cidadania energéticas.

A pobreza energética é um dos aspectos menos estudados em relação à trajetória do capitalismo desde a época mercantil até a industrial. A colonialidade com suas formas de hegemonia política, econômica e cultural, impostas através da violência e da negação dos direitos dos povos originários se encontra à raiz das formas de dominação geopolíticas e econômicas da contemporaneidade. Apesar de que nos países centrais do Ocidente o conceito de pobreza energética se origina no momento histórico das crises energéticas de 1973 e 1979, não podendo se restringir sua análise a esse momento histórico. Com certeza, a partir do ponto de quebra representado pelas crises petrolíferas, consequência das decisões da Organização dos Estados Produtores de Petróleo (OPEC), alguns pesquisadores deixaram de considerar a pobreza energética um aspecto marginal, e começaram a elaborar uma conceitualização mais ampla da pobreza e da justiça energéticas para estudá-las como um problema próprio. Nessa mudança de perspectiva dos países centrais desempenha um papel central o aumento dos preços da energia, o que significa que muitas pessoas não conseguem manter adequadamente aquecidas suas casas.  Porém, no Sul Global o problema do relacionamento entre as formas de dominação e exclusão de grupos sociais afrodescendentes, indígenas, camponeses, mulheres, migrantes e outras minorias não começa na década dos anos 1970, sendo muito mais antigo e apresenta uma história que corre em paralelo à história de outros desdobramentos relativos à insatisfação das necessidades humanas e à negação dos direitos humanos, sociais e culturais.

De acordo com as abordagens tradicionais, a pobreza energética ocorre quando uma família é incapaz de garantir um nível e qualidade de serviços domésticos de energia (refrigeração e aquecimento ambiente, cozinha, eletrodomésticos, tecnologia da informação) suficiente para suas necessidades sociais e materiais. Reconhece-se que uma definição universal da pobreza energética apresenta vários desafios relacionados com seus determinantes, suas manifestações, assim como os contextos culturais e as condições de conforto térmico relacionadas com cada geografia e latitude. Contudo, é importante continuar procurando consenso sobre as mensurações objetivas da pobreza energética, já que isso tem relevância para a política aplicada.

Embora o grupo de pesquisa reunido sob o cluster reconheça a abrangência global da agenda de pesquisa sobre pobreza energética impulsada pela União Europeia, a partir do novo pacto verde sobre energia, é importante o desenvolvimento de uma agenda peculiar brasileira e latinoamericana sobre o tema. 

Além do reconhecimento das dinâmicas socioeconômicas relacionadas com a precariedade do trabalho e das formas de asseguramento social como um eixo que permite interessantes comparações entre regiões, as peculiaridades climáticas, geográficas, da história econômica e das trajetórias do desenvolvimento resultam muito diferentes entre, de um lado o Brasil e a América do Sul, por exemplo, e do outro América do Norte e Europa, ou Ásia. 

No que concerne a justiça energética, a noção distributiva da justiça energética vem sendo a principal questão tomada em conta no processo de planejamento energético em países como o Brasil. Isto é, o acesso à energia vem sendo apresentado como o indicador mais importante para responder a uma análise social da questão energética. Em relação a isso, importantes considerações devem ser feitas: a primeira delas, de que por energia, lê-se energia elétrica; a segunda, de que a disponibilidade de redes para acesso não implica na garantia da prestação de serviços de qualidade e acessíveis. 

A questão da justiça energética abrange dimensões que vão além da prestação dos serviços energéticos (incluindo mobilidade, cocção e conforto térmico). Como a pandemia da Covid-19 tem ilustrado de maneira dramática, hoje em dia, acesso à energia (em particular elétrica) e conectividade fazem parte de uma noção unificadora de acesso justo à energia. De fato, o acesso material à energia elétrica e à posse ou acesso ao uso de dispositivos eletrônicos, digitais e da conectividade à rede que estes permitem se apresenta como uma configuração sociotécnica essencial para a compreensão do trilema pobreza-justiça-cidadania energética. As crianças que não tiveram acesso a serviços de conectividade à rede de qualidade, econômicos e adequados (em espaços aptos para o estudo e a concentração), que não possuem aparelhos digitais próprios ou um acesso irrestrito a aparelhos de qualidade, além de ter como condição essencial acesso à energia elétrica, perderam meses ou até anos de educação durante o período no qual o ensino foi ministrado por via virtual.

A segunda dimensão da justiça energética atinge o âmbito da representação. As métricas dominantes na compreensão das escalas da justiça são o fruto de elaborações, principalmente, ocidentais e européias, centradas na unidade geográfica do estado-nação. Este imaginário político apresenta a tendência a gerar um viés no sentido do privilégio que ele outorga à identificação do sujeito de direitos como sujeito de cidadania política e social, ou seja, indivíduos que podem realizar seus direitos enquanto cidadãos e cidadãs de um estado soberano. No entanto, os povos indígenas, e as configurações territoriais de caráter não estadual (ou federal) não têm o mesmo reconhecimento, e até se veem obrigadas jurídica e legalmente ao cumprimento com as disposições de marcos políticos e administrativos que representam esses povos, como resultado de no interior de paradigmas políticos e culturais que desconhecem a diversidade, ou como resultado de processos históricos baseados na violência e imposição. 

Não obstante, tem-se a questão da iniquidade de gênero. A maneira como a pobreza energética atinge mulheres e homens é diferente. As mulheres são os sujeitos mais afetados, pois à elas é atribuído o trabalho doméstico e do cuidado, como também a limitação não apenas aos recursos, como renda e bens materiais, mas ainda aos ativos sociais, culturais e de educação formal. 

Os reflexos da pobreza energética demonstram o seu caráter heterogêneo e multidimensional e evidenciam as relações de poder, seja na diferença de renda e de autonomia financeira, seja nos inúmeros acidentes domésticos durante a cocção, sobretudo, com combustíveis e equipamentos menos eficientes, ou seja pela morte devido à poluição do ar doméstico, apenas a título de exemplos. Nessa perspectiva, pensar gênero, como categoria de análise, pode trazer importantes contribuições e compreensões para se ampliar o repertório conceitual da pobreza energética.

 

Temas Pesquisados

Tema 1: Pobreza energética

 

Nesta linha temática, o cluster pretende avançar sobre o debate sobre pobreza energética no Brasil.

 

Subtemas:

  • Medição multidimensional da pobreza energética

  • Indicadores de pobreza energética por zona climática e padrão cultural 

  • Relação entre pobreza energética e serviços energéticos

  • Determinantes sociais da pobreza energética e vulnerabilidade social

 

Tema 2: Justiça energética  e democratização da energia

 

Subtemas:

  • Acesso, uso e consumo da energia e dos serviços energéticos sob o ponto de vista da interseccionalidade

  • Energia, gênero, trabalho e reprodução social da injustiça

  • Capitalismo, dependência e reprodução da injustiça energética no marco do atual modo de produção capitalista predatório

 

Tema 3: Cidadania energética e comunidades energéticas

Subtemas:

  • Características sociotécnicas das comunidades energéticas no Brasil

  • Distribuição geográfica e cenários políticos para o desenvolvimento das comunidades energéticas no Brasil

  • O surgimento do “prosumer” como um sujeito social: cidadania energética como resposta à crise global no âmbito local

 

Projetos Ativos:

  • Uma Etnografia do Espaço da Pobreza Energética: O Caso da Vila Nova Esperança, em São Paulo (Brasil) - Dr. Andrea Lampis (Trabalho de campo em andamento em cumprimento do objetivo específico relativo a extensão da bolsa de Pós-doutorado no IEE/USP, processo FAPESP 2018/17626-3, bolsa BCO do Projeto Temático 2015/08304-9 - Supervisor: Prof. Célio Bermann).

  • Pobreza e Vulnerabilidade Energéticas na Macrometrópole Paulista - Prof. Célio Bermann e Dr. Andrea Lampis (Projeto apresentado para a linha de financiamento de projetos em fluxo contínuo da FAPESP).

 

Teses de doutorado:

  • Pobreza, energia e território: definição de um índice multidimensional de pobreza energética no Brasil - Raiana Schirmer Soares (Bolsa CAPES - Orientador: Prof. Célio Bermann, co-orientador: Dr. Andrea Lampis).

 

  • Eficiência e pobreza energética: estudo em comunidades de baixa renda na cidade de São Paulo - Erika Michely Levi. Orientador: Prof. Dr. Célio Bermann, co-orientador: Dr. Andrea Lampis.

Líder: Sigrid de Aquino Neiva

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